Réu da Zelotes interpela procurador e diz querer conhecer quem o acusa.
25/01/2016 13:37Preso na Operação Zelotes por suspeita de atuar em esquema de venda de medidas provisórias, o lobista Alexandre Paes dos Santos interpelou o procurador da República Frederico Paiva no intervalo da audiência desta segunda-feira (25), destinada a ouvir testemunhas arroladas pelos réus, e afirmou que queria “conhecer” quem o acusa. Paiva é um dos procuradores responsáveis pelas investigações do esquema de corrupção que atuava no Conselho de Administração da Receita Federal (Carf).
A provocação do lobista ocorreu no momento em que o procurador da Zelotes concedia uma entrevista aos jornalistas sobre o primeiro dia de depoimentos.
Alexandre Paes dos Santos e outros réus presentes à audiência pararam em frente ao procurador para ouvir.
“Vamos ter plateia?”, indagou Frederico Paiva aos investigados em tom irônico.
O lobista, então, questionou: "A defesa também pode dar entrevista?". "Sim, pode fazer as perguntas", respondeu o procurador.
Neste momento, Santos disse que só conhecia o integrantes do Ministério Público Federal por meio da denúncia. "Eu não sabia quem era o senhor. Só tinha visto no processo seu nome e nunca tinha visto o senhor”, enfatizou.
“Achou bom”, perguntou o procurador da República.
“É bom saber quem me acusa”, respondeu Alexandre Paes dos Santos.
Depois de conversar com o procurador, o lobista deixou a sala. Retomando a entrevista, Frederico Paiva destacou aos jornalistas que não é acusador, e sim servidor público.
“Eu não acuso, sou um servidor público. Estou aqui em nome da instituição”, observou.
Mesmo os réus presos foram autorizados a acompanhar os depoimentos das testemunhas arroladas no processo. Eles deixaram a prisão escoltados pela Polícia Federal, entretanto, na audiência, o clima tem sido informal, com os réus transitando pelas dependências do tribunal com relativa autonomia.
Depoimentos
Mais de 90 pessoas foram chamadas a depor no processo da Zelotes, que reúne 16 réus acusados de negociar, mediante propina, decisões do Conselho de Administrativo de Recursos Fiscais e teor de MPs.
Os primeiros depoimentos estavam marcados para começar na última sexta (22), mas a audiência foi adiada para esta segunda porque, na semana passada, um dos réus não havia sido intimado pela Justiça Federal e teria o direito de comparecer. A pedido do advogado dele, a Justiça remarcou a audiência.
Uma das primeiras testemunhas a falar foi o advogado Vicente Alessi, que afirmou que Francisco Mirto Florêncio da Silva fazia lobby “limpo” e “com clareza” junto ao poder público.
Mirto está preso por suspeita de atuar na organização criminosa que, segundo os investigadores, negociou modificações em pelo menos três MPs para favorecer empresas.
Ele era representante do escritório de advocacia Marcondes e Mautoni, acusado de atuar de forma ilegal para a aprovação da MP 471 de 2009, que prorrogou por cinco anos benefícios tributários ao setor automotivo.
Ao depor diante do juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, Vicente Alessi afirmou que Francisco Mirto atuava na defesa de interesses junto ao poder público, mas de forma legítima. “Francisco Mirto me mostrou que era possível fazer lobby de forma limpa e com absoluta clareza. Daí minha admiração por ele”, afirmou.
Depois de Alessi, a professora Andrea Gozetto, coordenadora do MBA em Relações Governamentais da Fundação Getúlio Vargas, falou como testemunha de Alexandre Paes dos Santos, lobista que, segundo o Ministério Público, também teria atuado de forma ilegal na aprovação da Medida Provisória (MP) 471 de 2009, que beneficiou o setor automotivo.
Andrea Gozetto defendeu a legitimidade da atividade do lobby e afirmou não ver “ilícito” aparente em contrato de prestação de serviços entre MMC e CAOA e os escritórios Marcondes & Mautoni e a SGR para a defesa de interesses das montadoras junto ao Congresso Nacional.
“É um contrato típico de representação de interesses, inclusive bastante detalhado. [...] Qualquer ação de levar informações com o intuito de modificar uma decisão pública é lobby. O lobby é extremamente importante para a democracia”, afirmou Andrea Gozetto.
A professora da FGV destacou que os grupos de interesse costumam selecionar as informações que lhes interessam quando tentam convencer os agentes públicos. Ela afirmou, porém, que esse trabalho de persuasão é legítimo e inclusive respeitado e regulamentado em países como Estados Unidos e Canadá.
“É óbvio que o grupo de interesse ao levar as informações vai levar as que mais lhes interessam. Mas cabe a quem tomar a decisão? [...] O Lobby no Brasil sofre um estigma de marginalidade muito forte”, afirmou Andrea Gozetto.
Em seguida, a professora Maura Lúcia Montella de Carvalho, professora de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e esposa de Alexandre Paes dos Santos, foi chamada a falar. Ela declarou que a Operação Zelotes faz um “desserviço” para o país ao criminalizar o lobby.
“Tudo que eu venho ensinado há 22 anos está sendo questionado. Esse processo todo está sendo um desserviço para a área econômica e para a área acadêmica. E não falo isso como esposa do Alexandre Paes dos Santos, porque sou professora há muito mais tempo”, disse.
O objetivo da propina, segundo Frederico Paiva, era acelerar o trâmite de medidas provisórias e facilitar a modificação dos textos. “O objetivo era lubrificar a passagem da MP, para que ela não parasse. A denúncia não confunde as coisas. Há atividade legítima de lobby, existem entidades de classe. O que verificamos é pagamento por empresas de fachada. Há uma tentativa dos advogados de tumultuar e divergir de uma linha que é jurídica”, afirmou.
Procurador critica tese
Após a primeira parte de oitiva de testemunhas, o procurador Frederico Paiva criticou a estratégia da defesa dos advogados dos réus, segundo a qual a Zelotes tenta criminalizar o lobby. O integrante do Ministério Público Federal disse que a denúncia contra os 16 réus se baseia em indícios de que empresas de fachada eram usadas pelos lobistas para pagar vantagens ilícitas a servidores públicos.
Entenda a Operação Zelotes
Deflagrada em março pela Polícia Federal, a Operação Zelotes investiga venda de medidas provisórias e supostas irregularidades em julgamentos do Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (Carf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda e responsável por julgar litígios tributários.
Em 4 de dezembro, 16 pessoas suspeitas de participar do esquema se tornaram réus depois que a Justiça Federal aceitou denúncia do Ministério Público Federal no Distrito Federal.
Segundo as investigações, empresas teriam atuado junto a conselheiros do órgão para que multas aplicadas a elas fossem reduzidas ou anuladas. Na denúncia, o MP pediu que o grupo, composto por advogados, lobistas e servidores, devolva aos cofres públicos R$ 2,4 milhões, por conta de benefícios fiscais concedidos a empresas do setor automobilístico, mas aprovadas mediante pagamento de propina.
Inicialmente voltada à apuração de supostas irregularidades no Carf, a Zelotes descobriu que uma das empresas que atuava no órgão recebeu R$ 57 milhões de uma montadora de veículos entre 2009 e 2015 para aprovar emenda à Medida Provisória 471 de 2009, que rendeu a essa montadora benefícios fiscais de R$ 879,5 milhões. Junto ao Carf, a montadora deixou de pagar R$ 266 milhões.
Além de integrantes dessas empresas, a denúncia também acusa membros de outra companhia. Entre os 16 denunciados, há também uma servidora do Executivo e um servidor do Senado. De todos os acusados, sete permanecem em prisão preventiva, decretada no fim de outubro.