Marcos Antônio da Silva, de 48 anos, trabalhava como descarregador de caminhões até o momento em que enxergou a possibilidade de um futuro melhor na família. O filho dele, Gerson, se destaca na base do Fluminense há algum tempo e, aos 16 anos, já é titular dos juniores. Meia canhoto, é o jogador mais badalado de sua geração e assinou o primeiro contrato, que deu à família um pouco mais de tranquilidade financeira. E Marcão, como é conhecido no mundo de futebol, passou a ser apenas pai. Pai profissional.
- Ser pai de jogador promissor gera muitos problemas, como a inveja dos outros e a necessidade de acompanhar todos os passos do meu filho. Aqui em casa, montamos um Projeto Gerson e vivemos em torno dele. Deixei meu emprego e fiz um acordo com os empresários dele, para poder me dedicar exclusivamente aos cuidados com meu filho, recebendo um salário. E marco em cima, porque sei que a vida de jogador de futebol é muito difícil e precisa ser regrada. Vivo intensamente para ele.
A situação de Marcão é comum no futebol brasileiro. Muitos pais largam tudo o que fazem, ou pelo menos adaptam suas vidas à rotina dos filhos, para acompanhar jogos e viajar juntos com a família por todo o Brasil e pelo exterior. Na arquibancada, incentivam, gritam, cobram, xingam árbitros e formam uma espécie de torcida organizada, sentando quase sempre juntos uns dos outros.
Os pais entendem que a sua presença é necessária para que os meninos se sintam bem, seguros e possam se desenvolver em um mundo extremamente competitivo. William Machado, de 45 anos e pai de Guilherme Costa, meia dos juniores do Vasco, define esse suporte como fundamental e conta que tomou a decisão de mudar de vida para estar mais perto do filho e ajudar quando necessário.
- Eu era executivo, tinha um bom emprego, mas larguei tudo e passei a ser autônomo, para dar uma assistência ao Guilherme. Fiz isso quando vi que ele perdeu uma convocação para a Seleção em 2008 por não ter passaporte. E não me arrependo - diz William, que acompanha o filho em todas as partidas e esteve com ele nos Sul-Americanos Sub-15, em 2009, e Sub-17, em 2011, além do Mundial Sub-17, também em 2011, disputado no México.

Marcelo Vojnovic, pai do zagueiro Lyanco, do sub-17 do Botafogo, é outro que encontrou uma solução criativa para ficar próximo: vendeu uma loja que tinha em Vitória, no Espírito Santo, e se mudou para o Rio de Janeiro. E, percebendo a dificuldade que o filho tinha em conseguir um lugar para ficar, montou um alojamento que hoje atende a 20 atletas em Xerém, na Baixada Fluminense, e pode ser ampliado nos próximos anos, dependendo da demanda.
- Acabei transformando o sonho do meu filho no meu ganha-pão, enxerguei essa oportunidade. E aqui tenho a chance de acompanhar o Lyanco aonde ele for, e dar esse apoio que é extremamente necessário. Sei do risco de dar errado, mas, se der errado no futuro, quando ele tiver a vida dele construída, jamais poderá dizer que eu não o apoiei.
O acompanhamento descrito por Marcelo acontece de várias maneiras, com os pais indo aos jogos, gerenciando a carreira dos filhos e às vezes até falando por eles, como Neymar pai, que criou uma empresa para gerenciar a carreira do craque do Barcelona.
Família e clube: uma relação necessária, mas às vezes problemática
Os coordenadores de base dos maiores clubes do país entendem o novo contexto do futebol e sabem que a relação com a família é necessária. Alguns clubes, como o São Paulo, chegam a fazer reuniões com os pais para explicar a situação e alertar que há riscos de a carreira não ser bem-sucedida. O Grêmio aposta no diálogo e na proximidade física com a família para fazer com que o garoto aumente de rendimento.
A necessidade da proximidade com a família do atleta é consensual entre os coordenadores, mas eles também apontam problemas nesse relacionamento, que podem atrapalhar o desenvolvimento do próprio menino.
- Todo pai acha que tem um Neymar em casa, mas o Neymar é exceção. Tenho colada na parede da minha sala uma estatística que diz que 85% dos jogadores brasileiros ganham menos de seis salários mínimos e apenas 3% ganham acima de 12 salários mínimos. E tento explicar isso aos pais. Para existir um Neymar, milhões ficaram no meio do caminho - analisa João Paulo Sampaio, coordenador dos profissionais do Vitória, que trabalhou na base do clube por quase uma década.
Fernando de Simone, do Fluminense, reforça a frase e acrescenta que essa situação pode comprometer financeiramente o clube, se não for bem administrada.
- Se todo pai acha que tem um Neymar em casa e eu trabalho com 300 garotos, eu teria aqui 300 Neymares. Imagina o custo disso?

Essa esperança de que o filho vai triunfar em um mundo extremamente competitivo gera efeitos colaterais, como, por exemplo, uma intromissão excessiva nos treinamentos - o que levou os grandes clubes a proibirem a presença dos pais nos treinos - e gritos frequentes na arquibancada de orientações contrárias às que os treinadores pedem.
Carlos Leiria, técnico do Inter sub-16, lembra o caso de um pai que pedia, em todos os jogos, para que o filho - que desempenhava bem a função de zagueiro - fosse deslocado para o meio-campo.
- Quando fomos falar com o pai, ele respondeu: "Lá na minha pelada ele é meia-esquerda e faz um monte de gols". Aí perguntamos se ele queria o filho como amador ou profissional. Há um abismo entre os dois níveis.
Luciano Moraes, técnico dos juniores do Audax-RJ, é outro que conta histórias sobre a influência dos pais e afirma que alguns garotos chegam com instruções paternas na ponta da língua, mas tenta administrar essas situações sem perder o bom humor.
- Esse negócio de pai é o seguinte: quando o filho dele joga, você é o Felipão, o melhor técnico do mundo. Quando não joga, você não presta. Assim, 11 pais me amam, sete me aturam porque os filhos ficam no banco, e o resto me odeia.
Interferência, pressão e treinamento excessivo
Outro problema apontado pelos coordenadores de base é a interferência no momento de assinar o primeiro contrato profissional, quando o garoto tem 16 anos. Há casos de pais que vendem a mesma fatia dos direitos de seus filhos para vários empresários. E há também os que oferecem o menino para outros clubes e empresários, situação mais comum em centros mais distantes.
- Já teve pai que chegou dizendo que poderia levar o filho para um clube grande. E falou isso como se estivesse fazendo um favor para nós. Há pais que chegam e dizem: "Vim buscar o meu produto". Tratam o filho como mercadoria - conta Márcio Schmidt, diretor da base do Rondonópolis-MT.
Erasmo Damiani, coordenador da base do Palmeiras, conta que tenta fazer o pai entender que o sonho de se tornar jogador de futebol não é dele, e sim do filho. Mas que muitos continuam vendo o jogador que têm em casa como solução para os problemas financeiros da família, o que, segundo ele, prejudica também a formação do jovem como cidadão.
Nos casos mais extremos, há relatos de garotos que, após errarem lances em campo, são agredidos pelos próprios pais. E existem os casos de dirigentes que foram ameaçados pelos pais para não denunciarem jogadores com idade adulterada e jogadores que, após fazerem sucesso, são processados pelos pais, que pedem pensão alimentícia.
João Paulo Sampaio, do Vitória, conta também que vê frequentemente situações em que o pai, sem maldade, submete o filho a um excesso de treinamento, pensando que está fazendo a coisa certa.
- Há pais que, além do futebol, põem o menino na natação, no pilates, e isso sobrecarrega e atrofia a musculatura do garoto. Às vezes, a gordura faz parte do crescimento de uma criança, de um adolescente. Aqui todos os profissionais são formados em educação física e há uma preparação adequada, mas lá fora não podemos controlar. Uma vez, eu estava na praia ao meio-dia e encontrei um pai dando um treino para um jogador daqui, debaixo de um sol de rachar. Isso é prejudicial.

Psicólogo da base do Palmeiras, Marcelo Abuchacra explica que essa pressão excessiva sobre os meninos pode ter consequências ruins na formação, até mesmo em aspectos que influenciam na carreira e no desempenho em esporte de alto rendimento.
- Muitas vezes, o pai tenta se colocar no lugar do treinador e, em vez de educar o menino, se preocupa apenas em cobrar. O esporte, que deveria ser uma prática prazerosa, se torna uma condição para que ele faça o pai sentir orgulho dele. Quando não há esse suporte e o pai não o educa como cidadão, o garoto pode desenvolver vários problemas emocionais em longo prazo, como dificuldade em lidar com pressão, baixa autoestima e baixa tolerância a críticas, pois passou a adolescência sendo criticado por todos os lados e sem o respaldo necessário. Em casos mais avançados, pode surgir até uma depressão.
Pais, empresários e pais empresários
Um dos principais mediadores na relação entre pais e clubes é o empresário do jogador. Normalmente, há um acordo entre pais e empresários no qual os primeiros recebem uma soma financeira e repassam um percentual dos direitos econômicos sobre os filhos. Mas a conta não está só no dinheiro.
- A relação ideal entre pai e empresário é uma parceria, na qual o empresário entra com a rede de contatos que tem e a experiência no mundo do futebol, e o pai faz a interface entre o empresário e o garoto, expondo os anseios, os sonhos da família. A relação entre pai e filho é inquestionável, insubstituível, única, mas o pai não tem a experiência que o empresário tem na hora de tomar as decisões certas. No máximo, acompanha um caso, enquanto o empresário já negociou várias vezes em situações diversas - explica Eduardo Uram.
Ele cita o relacionamento com Laís, pai do meio-campista Ibson, como uma parceria bem-sucedida e crê que há riscos quando é o pai que negocia diretamente com o clube. Usa como exemplo a situação de um cardiologista, que, ainda que seja o melhor do mundo, poderá ter dificuldade em operar um filho. Em menor escala, diz ele, é o que acontece quando o pai de um jogador toma as decisões.
Há, no entanto, quem prefira administrar a carreira do filho e encare o mercado do futebol sem medo. É o caso de Dejair Ribas da Cunha, pai de Diego, meia do Atlético de Madrid, e Eliseu Trindade, pai do meio-campista Elias, do Corinthians. Este, aliás, recusa-se a ser definido como empresário ("sou um servidor público e atuo como representante do meu filho". Diz que ajuda a quebrar um tabu e argumenta que antigamente os pais não se preocupavam em participar da negociação:
- Eles vinham de camadas pobres, não tinham preparo e deixavam seus filhos nas mãos de empresários. Muitos são sérios, mas alguns não são.
Ele reconhece que a falta de contatos no mundo da bola foi bastante complicada no início, mas fala com orgulho de sua trajetória na vida ao lado do filho.
- Sou de família pobre, negro, morei em favela, fui o primeiro da família a ter diploma universitário e me formei em direito justamente para poder dar esse suporte ao Elias, porque sempre banquei ele, comprei o material esportivo dele, nunca precisei de ninguém para fazer isso, então me imponho nas negociações. É uma equação complicada, juntar o pai, o representante e o amigo, mas é maravilhoso quando os objetivos são conquistados.
Jornal Folha do Rio.