Pai e técnico, Charles deu 1ª prancha e foi 1º a crer em título de Medina: "Dom"

16/10/2014 11:05

Paulistano da Vila Nova Conceição, Charles Serrano de Saldanha Rodrigues, mais conhecido como Charles Medina, resolveu trocar São Paulo pela praia de Maresias, em São Sebastião, no litoral paulista, quanto tinha 18 anos pelo amor ao surfe. Foi lá que ele conheceu e se apaixonou por Simone Medina, praticante de bodyboarding e mãe de Gabriel, um menino de oito anos que o adotou como pai. Um pai que também se tornou técnico, amigo, irmão e até cozinheiro. No mesmo ano em que foram apresentados, Charles deu um presente especial para o filho, a sua primeira prancha de surfe. Acompanhou os primeiros movimentos do garoto no mar e logo percebeu algo de diferente: “Sabe quando você percebe que a pessoa nasceu com um dom? Assim que ele começou a ficar de pé, notei que ele tinha uma pegada diferente dos outros". E foi o primeiro a acreditar que o surfista poderia conquistar um título mundial.

Familia de Gabbriel Medina unida (Foto: Carol Fontes)Familia de Gabriel Medina, sempre unida, é um porto seguro para o jovem de 20 anos.

 

Sabe quando você percebe que a pessoa nasceu com um dom? Assim que ele começou a ficar de pé, notei que ele tinha uma pegada diferente dos outros "
Charles  Medina

Se para a maioria dos fiéis Deus é pai e não padrasto, para Gabriel o padrasto é uma espécie de Deus. É ele que determina como, quando, onde e por que o filho treina, compete, descansa, acorda, come, dorme, fala com a imprensa, joga futebol e até namora. A estratégia tem funcionado. Graças a um trabalho árduo e duradouro, e isolados em Maresias, pai e filho foram evoluindo juntos até o topo. Na penúltima das 11 etapas do Circuito Mundial de Surfe (WCT), em Peniche, Portugal, Medina pode fazer a história ao se tornar o primeiro brasileiro campeão mundial de surfe. O jovem de 20 anos depende apenas de si mesmo, basta ganhar o campeonato, ou até terminar em nono lugar, em uma combinação de resultados envolvendo o americano Kelly Slater, o havaiano John John Florence e os australianos Joel Parkinson e Mick Fanning. Pais, irmãos e tios marcaram presença em Supertubos para apoiar o menino. Na última terça-feira, ele estreou com vitória e avançou direto para a terceira fase, com chamada prevista para a próxima sexta-feira, às 3h30 (de Brasília).

Em um esporte solitário, Medina tem a família como um porto seguro. Enquanto a mãe passa a maior parte do ano cuidando de Felipe e Sofia, o pai viaja o mundo com o fenômeno, acumulando as funções de pai, técnico e até cozinheiro. Mesmo quando estão distantesPara que o atleta se preocupe apenas com o surfe, ele conta com uma equipe de ponta, que inclui agente, médico, fisioterapeuta, preparador físico e um videomaker que faz as imagens do atleta nos quatro cantos do mundo. O valor gasto em uma temporada do WCT, somando hospedagem, transporte e custos com o "Time Medina" é de US$ 150 mil por ano (cerca de R$ 335 mil), sendo US$ 50 mil (R$ 111 mil) apenas de passagens. 

Jornal: Quem é Charles Medina?
CHARLES: O Charles é um pai, treinador, parceiro do Gabriel, que ainda tem mais dois filhos, o Felipe e a Sophia, é marido da Simone, é tudo. A família é tudo para a gente. Valorizamos muito isso e eu acho que, com isso, conseguimos construir também essa imagem da família, mas não foi nada por querer, foi algo que foi por amor mesmo. O Gabriel me aceitou como pai e eu o aceitei como filho. Eu dei a primeira prancha e nós íamos muito à praia em Maresias. Sabe quando você percebe que a pessoa nasceu com um dom? Assim que ele começou a ficar de pé e se equilibrar o direito em cima da prancha, notei que ele tinha uma pegada diferente dos outros. O Gabriel é meu filho e ao mesmo tempo um surfista de muito talento, que sempre quis ser campeão mundial. Eu sempre acreditei e acho que por isso me chamam de Charles Medina, um sobrenome que eu adotei por assumi o papel de pai com o Gabriel. Adoro ser chamado assim.

Você foi a primeira pessoa que pensou que ele poderia ser campeão mundial?
Acho que sim. Desde cedo, eu acredito que pode ser campeão mundial. Acredito e ele vai ser campeão mundial, se Deus quiser. O Gabriel foi um presente na minha vida. Logo eu e a Simone começamos a namorar, íamos à praia com ele como uma família normal, nós com as nossas pranchinhas e elas com a sua prancha de bodyboard. Ele me ganhou quando me chamou de pai pela primeira vez, fiquei emocionado. Sempre tivemos os mesmos valores e pensamentos. Ele queria se dedicar ao esporte, eu sempre gostei de esporte e nós acabamos combinando como pai, filho e amigo. Foi um presente de Deus, o primeiro filho que posso falar que Deus me deu. 

Familia do Gabriel Medina em Obidos, Portugal (Foto: Carol Fontes / Globoesporte.com)Pai e treinador da sensação mundial, Charles.

Lembra do dia em que teve essa consciência?
O Gabriel estava começando a surfar, dandos os seus primeiros passos e logo começou a ir sozinho para o fundo. Eu lembro de um dia específico em Maresias, mas com correntes e umas esquerdas perfeitas. O Gabriel ia e voltava, ia e voltava, e eu percebi que ele tinha um execelente senso de orientação e que surfava bem. Ele ainda não fazia manobras, mas ia reto e já tinha o dom. Foi aí que eu troquei algumas ideias com ele e falei que ele poderia levar o negócio a série porque ele sempre gostou disso. E foi assim, a gente comprou a ideia de ser profissional e campeão mundial, fomos embora e acabou dando certo.

Acha que o fato de terem vivido isolados em Maresias ajudou na evolução de vocês?
O fato de ficarmos isolados, aprendendo um com o outro, foi um fator primordial. Ficamos sozinhos, fazendo treinos separados, olhando vídeos de campeões mundiais e se espelhando em outros atletas... Olhava também como era feito o treinamento de outras pessoas, mas traçava o nosso próprio caminho. O Gabriel tinha muito talento e eu acho, às vezes, quando o atleta tem muito talento, é perigoso o técnico estragar isso. Por isso, tem uma frase que eu sempre digo: "O menos pode ser mais". E no caso dele, muita gente não colocando o bedelho na carreira dele, ajudou. No início da carreira ele não tinha muitos patrocinadores, ninguém acreditava muito nele e, por isso, pudemos realizar este trabalho sólido, um acreditando no outro e batalhando, treinando... Esse foi o segredo do Gabriel. Ele poder evoluir sozinho, sem cobranças. E ele sempre acreditou que seria um vencedor. 

Antigamente, você fazia tudo pelo Gabriel, como funciona a equipe hoje?
Eu cotumava fazer toda a preparação técnica e física dele. Cuidadava dos patrocinadores, era pai, técnico, cozinheiro, tudo.  Ainda façi isso (risos), mas hoje o cenário mudou um pouco. Já temos um preparador físico, embora eu passe alguns treinos de manutenção a ele. Ele também tem um médico, um manager, um assessor que é o tio dele, ou seja, hoje temos uma equipe capaz de nos ajudar e que foi escolhida a dedo para a família, A Simone também teve um papel importante, todas as decisões passaram por ela, tomávamos sempre as decisões a três. 

Você é pai e treinador do surfista que está prestes a fazer história se conquistar o primeiro título mundial de um brasileiro. Como você lida com essa pressão e responsabilidade?
É difícil. Primeiro, o Gabriel quando se prepara para uma bateria, eu tenho que me manter calmo e passo sempre uma instrução antes de ele entrar na água. Não dá para ficar gritando a mudando a estratégia com ele longe, mas o Gabriel é um surfista muito inteligente, que está sempre enxergando uma coisa a maids. Quando ele está dentro d'água, me solto e sou mais pai. Antes, sou mais técnico (risos). Na hora que ele está longe, eu não tenho muito o que fazer.

Sophia, Gabriel e Charles Medina em Maresias  (Foto: Arquivo Pessoal)Sophia, Gabriel e Charles Medina em Maresias.

Na etapa de Teahupo'o, no Taiti, o Medina foi campeão vencendo Slater em uma final épica e você ficou no mar. Nervoso ao ver o seu filho naquelas ondas grandes sobre os corais?
Lá em Teahupo'o eu fiquei com medo, entrava na água e fora dela dizia que não tinha perigo, que não tinha problema nenhum, para ficar tranquilo, fazer o serviço dele e acreditar. Muita gente duvidava dele lá, e nós acreditávamos que ele poderia superar tudo isso. Apesar do medo e preocupação, porque o mar estava perigoso e tinha gente se machucando ali, mas era normal. E eu vibrava a cada tubo que ele pegava. Ali era normal se preocupar, seja técnico ou pai.

Você sempre gostou de surfar, já sonhou com o seu título mundial?
Surfo dos 15 anos de idade até hoje, mas depois que eu comecei a treinar o Gabriel, comecei a surfar menos., viajar mais... Nunca fui bom surfista. Talvez por isso eu tenha prestado mais atenção no que era o certo, no que eu tinha que fazer para melhorar, nas posições certas... Eu não tinha o talento que o Gabriel tinha. E com ele eu aprendi muito também porque percebi que ele tinha um talento fora do normal, e eu precisava estudar os outros treinamentos. Fiz tudo o que eu pude fazer ao meu alcance. Nos inspiramos em nomes como Tom Curen, Mick Fanning, Kelly Slater e Adriano de Souza, o Mineirinho.


A família compareceu em peso a Peniche para apoiar Medina. Essa energia o empurra? Está confiante?O Gabriel é um menino muito novo, mas que lida muito bem com a pressão, mesmo que ela venha de uma lenda como Kelly, onze vezes campeão mundial. Como você avalia o estilo dele em uma competição? 
Para que o Gabriel foi feito para competir. Ele é um menino frio. Quem olha ele ali na competição, parece até que ele nem tem coração. Não sente pressão. Pelo contrário, sob pressão, parece que ele surfa até mais. Mesmo que tenha apenas uma chance na última onda, ele não tem medo de arriscar e acredita nele. Ele não foi treinado para isso, mas nasceu com o dom de ser um competidor nato, que tem muito talento, consegue se manter calmo e quer sempre ganhar.Tudo isso, é claro, com muito respeito. 

A família está quase completa aqui para apoiá-lo. Sabemos que os adversários são sempre difíceis. Ele está preparado para as duas últimas etapas, Portugal e Havaí, mas ele prefere garantir logo esse título mundial.. Mas o Gabriel se sente em casa aqui, tem tudo para ganhar. Ele só depende de si mesmo, os outros surfistas não importam.

O QUE O GABRIEL PRECISA SABER PATA SER CAMPEÃO MUNDIAL

- Vencer a etapa independentemente de outros resultados; 
- Ser finalista, desde que Kelly Slater não seja campeão; 
- Perder na semifinal, e Kelly Slater ou Mick Fanning não vencerem a etapa; 
- Cair nas quartas de final, Kelly Slater não chegar à final, e Mick Fanning não vencer a etapa; 
- Se for eliminado na quinta rodada, Kelly Slater não passar das quartas de final, Mick Fanning não ser finalista, e Joel Parkinson ou John John Florence não vencer a etapa. 

CONFIRA AS BATERIAS DA 1ª FASE

1: Taj Burrow (AUS) 12,10 x Freddy Patacchia (HAV) 8,97 x Travis Logie (AFS) 7,37
2: John John Florence 11, 10 (HAV) x Jadson André (BRA) 15,93 x Brett Simpson (EUA) 12,10
3: Joel Parkinson (AUS) 15, 83 x C.J. Hobgood (EUA) 9,24 x Jeremy Flores (FRA) 8,47
4: Mick Fanning (AUS) 10,66 x Sebastian Zietz (HAV) 16,10 x Raoni Monteiro (BRA) 4,83
5: Kelly Slater (EUA) 17,00 x Matt Wilkinson (AUS) 16,07 x Nico Von Rupp (PRT) 7,50
6: Gabriel Medina (BRA) 14,27 x Kai Otton (AUS) 12,83 x Jacob Willcox (AUS) 8,43
7: Michel Bourez (TAI) 7,53 x Filipe Toledo (BRA) 14,33 x Aritz Aranburu (ESP) 8,73
8: Adriano de Souza (BRA) 12,83 x Julian Wilson (AUS) 9,56 x Alejo Muniz (BRA) 10,60
9: Jordy Smith (AFS) 16,60 x Adrian Buchan (AUS) 12,83 x Mitch Crews (AUS) 5,33
10: Kolohe Andino (EUA) 7,37 x Miguel Pupo (BRA) 10,60 x Adam Melling (AUS) 10,50
11: Josh Kerr (AUS) 15,13 x Bede Durbidge (AUS) 14,00 x Dion Atkinson (AUS) 10,60
12: Owen Wright (AUS) 16,16 x Nat Young (EUA) 10,27 x Tiago Pires (POR) 12,93

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jornal Folha do Rio.