O Jogo da Adequação.

07/04/2016 10:52

Lideradas por empresas globais, plataformas que conectamusuários e fornecedores pela internet se popularizam nomundo inteiro e levantam questões sobre a aplicação dosdireitos do consumidor nesses novos serviços

“Como a proteção ao consumidor pode se manter nesse cenáriode inovações e de empresas globais na economia docompartilhamento? (...) Empresas como Airbnb e Uber estãoremodelando o mercado e desafiando o statusquo. Eles estão mudando inclusive a noção do que é serconsumidor.” A questão foi levantada por Amanda Long, presidentedaConsumers International, em seu discurso na aberturado Congresso Mundial da entidade, em novembro do ano passadoem Brasília (DF).

Em sua fala, Long destacou que 120 mil pessoas utilizaramo Airbnb para se hospedar no Brasil durante a Copa do Mundo de 2014, e queessa empresa é atualmente uma multinacional maior do que qualquer rede dehotel do globo. O exemplo da plataforma de locação de imóveis ou quartos porcurta duração deixa claro o quanto esses serviços da chamada “economia docompartilhamento” estão se popularizando no Brasil e no mundo.

Inicialmente idealizada para promover o consumo de forma mais colaborativa,a economia do compartilhamento se caracteriza por plataformas que,através de sites ou aplicativos, conectam usuários interessados em um serviçoe empresas ou pessoas comuns que se dispõem a prestar o serviço em questão– seja ele de hospedagem, de transporte, de limpeza doméstica, de empréstimode ferramentas, até outros mais inusitados, como “babá” de cachorro.

Se por um lado as inovações oferecem a possibilidadede se usufruir de produtos e serviços de um jeito diferentedo habitual – muitas vezes de forma mais práticae mais barata –, por outro elas alteram alguns parâmetros das relações de consumo tradicionais e, consequentemente,da aplicação dos direitos do consumidor. “Na economiado compartilhamento, os modelos de negócios são mais fluidos,não há figuras tão estanques de consumidor e de fornecedor.A identificação do sujeito varia conforme cada modelo”, diz oadvogado Bruno Miragem, presidente do Instituto Brasileirode Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) e professor daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul.

Essa “fluidez” traz uma série de questionamentos em relaçãoaos direitos do consumidor. Por exemplo: quando há, do outrolado, uma pessoa física e não uma empresa, existe ainda umarelação de consumo? Em caso de problemas na prestação doserviço por esse terceiro, a plataforma é responsável por resolvê-los e reparar eventuais prejuízos?

Para o advogado e pesquisador do Idec Rafael Zanatta, existe,sim, uma relação de consumo, mesmo que o serviço em si sejaprestado por uma pessoa física. “É inegável que empresas comoUber e AirBnb prestam serviços e se enquadram na definiçãodo artigo 3o do Código de Defesa do Consumidor [CDC]. Essasplataformas organizam a informação, possuem algoritmos sofisticadose possuem sistemas integrados de pagamento por serviçosde terceiros.” Já a responsabilidade da plataforma varia de acordo com o grau de organização e controleque ela tem do negócio. “Se o site ou aplicativogerencia todas as informações sobre oserviço e aufere lucro com a intermediaçãoem si, ele tem clara responsabilidade poreventuais prejuízos sofridos pelo consumidorna prestação do serviço”, afirma Zanatta.

Bruno Miragem concorda. “Quando o siteatua como gatekeeper, ou seja, como guardiãode acesso ao negócio, isso reforça os seusdeveres, pois, mais do que intermediação, eleorganiza o sistema, os serviços que estão àdisposição. Nesse caso, a sua responsabilidadeé plena”, destaca. É o caso de plataformascomo os já citados Airbnb e Uber e tambémo Booking.com, gigantes da economia docompartilhamento que controlam todo o processode contratação do serviço que ofertam.Mas nem só de novos serviços é feita essacategoria: velhos conhecidos do consumidorbrasileiro, como Mercado Livre, tambémse enquadram nessa definição, já que o site impede o contato direto do usuário com oanunciante e o pagamento se dá ali dentro.

Já nos casos em que a plataforma apenasfaz uma ponte entre o anunciante e o usuário,obtendo lucro de publicidade ou de outrasfontes que não a venda do produto ou serviçoem si, não pode ser responsabilizada pelaqualidade do produto ou serviço ofertado. “As decisões da Justiça brasileira têm seguido essalinha de raciocínio e fixado alguns critérios,como o auferimento de renda e a existênciaou não de mecanismos que possam favorecerou desfavorecer anunciantes e influenciara escolha do consumidor”, aponta Zanatta.Exemplos desse tipo de plataforma são sitesde classificados, como OLX, Zap Imóveis etc.,e buscadores de preço, como Buscapé.

 

FIQUE ATENTO AOS SEUS DIREITOS

Em caso de problemas na prestação do serviço, você pode acionar a empresa “intermediária”principalmente se toda a transação ocorreu “dentro” da plataforma, como no caso do Airbnb, da Uber ou do Mercado Livre. A responsabilidade da empresa, nesse caso, é plena.

 

 

 

  • Se ao clicar para a compra/contratação, você for direcionado para outra página, específica do fornecedor, é um indício de que a plataforma não lucra com a intermediação. Nesse caso, ela dificilmente poderia ser responsabilizada por problemas na prestação do serviço ou defeitos no produto adquirido. Há exceções. Por exemplo, se o site intermediário der informação falha que possa confundir o consumidor.
  • Os termos de uso e políticas da empresa não podem se sobrepor ao CDC. Caso a empresa se recuse a respeitar seus direitos, reclame no Procon, no site consumidor.gov.br (do Ministério da Justiça) ou entre com uma ação na Justiça.
  • Entrar na Justiça também pode ser o caminho em caso de problemas no exterior. Caso o serviço tenha sido contratado por meio de uma plataforma que opera no Brasil, ela é solidariamente responsável por reparar eventuais prejuízos.
  • Conforme o Marco Civil da Internet, a empresa estrangeira que atua no Brasil pode ser acionada judicialmente no país, mesmo que o site seja hospedado no exterior. Além disso, a maioria das grandes empresas da economia do compartilhamento tem escritório aqui. Se o site/aplicativo não fornecer dados como CNPJ e endereço, é possível obtê-los consultando a junta comercial local para ingressar com a ação.