
Yamaguchi Falcão acorda cedo. Come alguma coisa, pega o carro e ruma para a praia. Coloca os pés descalços na areia e corre. Do seu lado, Touro Moreno, pai, ex-pugilista e lutador de vale-tudo, mentor, ídolo e novamente seu técnico, acompanha tudo de perto. Chega a correr junto quando necessário. Berra, pede mais dedicação. A cobrança, para quem acompanha a labuta em Vila Velha, no Espírito Santo, pode parecer exagerada. Há pouco mais de um ano, seu filho trouxe das Olimpíadas de Londres uma medalha que o boxe brasileiro não via há 44 anos. Só que o bronze olímpico, hoje, não representa nada. Se nas memórias da família as conquistas dele e de seu irmão Esquiva, vice-campeão em Londres, são inesquecíveis, para o novo propósito teria valor apenas pelo passado e por seu peso.
No mês passado, o herói olímpico saiu de cena. Os patrocínios evaporaram junto. Por um sonho, em busca de um legado, o coração falou mais alto, e o filho mais velho trocou o boxe olímpico pelo profissional, pela chance de carregar nos braços o cinturão de campeão mundial. Na modalidade anterior a chance de ser campeão mundial também existia, mas a conquista seria representada por uma medalha e não trariam nem a metade do reconhecimento ou ganho financeiro. A escolha teve seu preço. O cartel de respeito, conquistado à base de muito suor, também não vale de nada. Contratado pela agência Golden Boy Promotions, a mesma empresa que representa o campeão, invicto e milionário americano Floyd Mayweather, Yamaguchi vai sentir novamente o frio na barriga de uma estreia. Debute que ele aguarda ansioso e adianta: será no Espírito Santo, em dezembro ou janeiro, em casa, ao lado da família.

De início, o sonho de brilhar profissionalmente não chega acompanhado de um polpudo salário. Ao decidir pela nova vida, ele realizou o sonho do pai, Seu Adegard Câmara Filho, de 76 anos, mas terá que dar um passo de cada vez. Os milhões do seu companheiro de empresa, o campeão Floyd Mayweather Jr., ficam apenas nas matérias lidas na internet. Pelo contrato de cinco anos, com previsão de cinco lutas anuais, o capixaba recebeu um bônus inicial, que o manterá financeiramente até a primeira luta. Daí em diante, cada bolsa será fechada de acordo com seu adversário e, claro, a independência financeira é diretamente proporcional ao número de rivais que forem à lona. Nada que assuste quem começou no boxe batendo em bananeira e venceu. Passou fome. E venceu. Fugiu das drogas. E venceu.
- Meu pai sempre sonhou comigo no boxe profissional. Na verdade, ele, que lutou vale-tudo, me queria no MMA. Ele nem acreditava que eu ia disputar as Olimpíadas, muito menos trazer uma medalha. Mas trouxe a medalha que não vinha para o Brasil há 44 anos. Conquistei meu espaço. Em 2011, já tinha recebido uma proposta do boxe profissional, mas achava que não era a hora, achava que estava verde. Hoje, não. Eu me sinto na minha melhor forma e vi que era a hora dessa mudança. De mostrar meu talento, o que sei fazer no ringue – declarou Yamaguchi.

A verdade é que, apesar do sonho, do pedido da alma, Yamaguchi quase esperou mais um pouco. Não é todo dia que se disputa uma edição das Olimpíadas em casa. Ainda mais como favorito ao pódio. Uma segunda medalha olímpica, porém, se for do clã Falcão, será de Esquiva, que permaneceu no boxe olímpico. Mesmo pressionado pelo COB, pelo irmão e também após uma conversa com a Confederação Brasileira de Boxe (CBBoxe), o peso médio até balançou, mas seguiu em frente.
- Tentaram me segurar. Chamaram-me no canto, numa reunião com meu irmão, o pessoal do COB e da CBBoxe. Disseram que eu teria um apoio melhor, financeiramente também. Mas foram muitas promessas e poucos feitos. Demorou muito para acontecer. Na verdade, não aconteceu ainda. Meu irmão está lá até agora esperando a bolsa medalha. Chegou uma hora que disse para mim: "Chega de ver as pessoas se aproveitando. Vou seguir meu coração, a minha vontade". O coração falou mais alto. A vontade, o sonho de chegar e conquistar um cinturão do mundo. Eu acho que tenho muita condição de chegar a um título mundial. Não posso deixar minha melhor fase passar.
Na nova fase, lutando no peso médio, até 72,8kg, Yamaguchi não vai passar aperto apenas para perder os quase três quilos a mais de quando lutava no boxe olímpico. Terá que superar o que ele chamou de “baque” financeiro.
- Recebi um bônus, não é aquela coisa, mas vai dar para me segurar até lutar. Não estou pensando no agora, e sim no futuro. Meu caminho é focar nos treinamentos, na minha luta, para que daqui a quatro, cinco anos tenha a renda que sempre sonhei. A minha troca não foi boa financeiramente. Perdi muita coisa que tinha conquistado. Foi um baque financeiro. Tudo que conquistei, patrocínios, apoio, joguei no lixo. Então, estou começando do zero de novo, mas acredito em Deus, confio muito e logo, logo o Yamaguchi não estará mais nesse sufoco. Não estou bem agora, mas estou entre os campeões. E um dia vou chegar lá também.
TOURO MORENO E O ESTILO ROCKY BALBOA
Nos ringues, Yamaguchi Falcão se inspira em Manny Pacquiao, Floyd Mayweather e Roy Jones Jr., a quem admite imitar. A entrada na primeira luta como profissional, por exemplo, já foi pensada. Na estreia, o capixaba promete estar de terno e gravata. Já no ringue, espera que três ou quatro meninas puxem o uniforme, que terá velcro. Tudo planejado, como já fez o ídolo Roy Jones Jr..
- O Pacquiao fez história no boxe, foi multicampeão mundial. O Floyd Mayweather também, que é um cara invicto, tem 45 lutas e não perde para ninguém. Mas eu sou muito fã, fascinado mesmo, é pelo Roy Jones Jr., que acho um fenômeno. É um cara que, quando subo no ringue, me inspiro nele, tento imitá-lo. Ele é o cara. Foco muito nele. Já estou pensando até na entrada para a luta. Vou ter estilo. Quero entrar como o Roy Jones Jr. fez em algumas lutas, de terno. E aí chegariam quatro meninas, em cima do ringue, e tirariam o terno, que será com velcro.

Mas seu pai e treinador Touro Moreno é da velha guarda. Gosta mesmo é do garanhão italiano “Rocky Balboa”, boxeador eternizado nos cinemas pelo ator Sylvester Stallone. Seus treinos lembram muito os filmes do americano.
- Ele gosta de uns treinos diferentes, mais antigos. Na bananeira ele não manda mais bater, mas é um treinamento estilo Rocky Balboa, levantando ferro, correndo com ferro na mão. Ele é idêntico ao Rocky Balboa, e os treinos funcionam muito. Ele tem duas medalhas olímpicas em casa. Como não funciona?
Para chegar ao título mundial, Yamaguchi espera um dia encarar o atual campeão Sérgio Martinez - o "Maravilla". Um duelo Brasil x Argentina.
- Ele é canhoto, muito bom, técnico. Hoje é o top da minha categoria no mundo. Mas aí é questão de tempo, tenho que mostrar meu trabalho, subir degraus e mais degraus para lá na frente pensar nele. Acho que boxe é tudo igual. Eu nasci para isso. É um esporte que faço com amor. Mas é o que falo. Muda na questão dos rounds. Preciso aguentar 8, 10, 12 rounds. A preparação física precisa ser maior do que no boxe olímpico. Você precisa estudar seu adversário para conseguir nocautear. Meus treinos mudaram muito. Treinava uma hora. Agora, treino três horas pela manhã e mais três horas à tarde. Mas estou me sentindo muito bem.
SONHO DE TER O IRMÃO AO LADO

Do sofá de casa, Yamaguchi sofreu. Já não lembrava mais como era acompanhar de longe uma luta do irmão. Há quase uma década competindo juntos, eles dividiam o quarto nas viagens e se ajudavam, dando dicas dos adversários. Tanto que Yamaguchi acredita ter feito falta a Esquiva, que caiu na terceira rodada do Mundial de Boxe de Almaty, no Cazaquistão, em outubro.
- Sempre ficamos no mesmo quarto. Conversamos muito de boxe. Tirávamos dúvida um do outro. Falávamos sobre rivais, eu ficava na posição do rival dele, ele na do meu. Um dando dica para o outro. Tenho certeza que ele sentiu falta do Yamaguchi lá.
Para acabar com a solidão, ele espera que o irmão aceite as inúmeras propostas que surgem para o boxe profissional, mesmo que isso custe mais uma medalha ao Brasil em 2016.
- Os irmãos Falcão sempre foram unidos. Sempre viajamos juntos. Quando falei com ele, ele levou um choque e perguntou se eu iria mesmo sair. Eu disse que sim, que tinha um sonho, e que o boxe olímpico não dava reconhecimento, que você ficava quatro anos escondido depois de uma medalha. Quando chega perto das Olimpíadas, lembra-se de você. Ele aceitou, meio contrariado, mas amo ele de coração, e a história ficaria muito melhor se ele mudasse para o boxe profissional também. Faríamos história, como os irmãos Klitschko (pesos-pesados ucranianos campeões mundiais). Dou toda a força para ele trocar, estou sentindo falta dele nos meus treinamentos. Sempre demos porrada um no outro. Desde novinhos estamos juntos, treinando juntos e conquistamos medalhas juntos.
Jornal Folha do Rio.