Ministro Cardozo diz que relatório do impeachment é 'viciado' e 'nulo'.
07/04/2016 09:48O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, afirmou na noite desta quarta-feira (6) que o relatório apresentado mais cedo na comissão especial do impeachment é "viciado" e "nulo". Segundo o ministro, há aspectos do parecer, elaborado pelo deputado Jovair Arantes (PTB-GO), que ultrapassam a denúncia feita contra a presidente Dilma Rousseff.
O relator da comissão especial apresentou nesta quarta parecer favorável (LEIA A ÍNTEGRA) à abertura do processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff. A leitura do parecer, de 128 páginas, levou quase cinco horas e terminou às 20h44. Concluída a leitura, deputados favoráveis ao afastamento de Dilma levantaram cartazes com os dizeres “Impeachment já”. Parlamentares contrários portavam cartazes com a inscrição “Impeachment sem crime é golpe”.
Na avaliação de Cardozo, o relatório apresentado por Jovair Arantes é "nulo" e tem "vícios" porque não explica "com clareza" o dolo de Dilma nas pedaladas fiscais e na edição de decretos suplementares, necessário para configurar o crime de responsabilidade.
Segundo o ministro, o parecer também extrapola o "objeto da denúncia" e cita fatos anteriores ao segundo mandato de Dilma, como as pedaladas fiscais de 2014. "Pedaladas fiscais" é o termo usado para identificar o atraso do repasse pela União aos bancos públicos do dinheiro para pagar benefícios sociais de diversos programas federais
Além disso, para o ministro da AGU, a sessão da comissão especial desta quarta é passível de nulidade porque o direito de defesa da presidente foi "cerceado", quando o advogado da União presente na sessão não foi autorizado a se pronunciar.
"Além de outras considerações, quero dizer que a sessão de hoje caracterizou a violação do direito de defesa da presidente quando não se permitiu que o advogado [de defesa] falasse. O relatório é viciado e nulo porque aborda questões que ultrapasam os limites da denúncia do ponto de vista material como temporal", afirmou.
Ao falar em "violação do direito de defesa", Cardozo criticava o fato de que seu substituto, o advogado da União Fernando Luiz Albuquerque Faria, pediu a palavra para fazer a defesa da presidente Dilma Rousseff na sessão desta quarta-feira, mas não foi autorizado. Faria chegou a falar com o presidente da comissão de impeachment, Rogério Rosso (PSD-DF), durante a reunião, mas foi interrompido por deputados com gritos de "vagabundo", o que gerou tumulto.
Cardozo também disse, na entrevista coletiva, que houve irregularidade na comissão pelo fato de a defesa não ter sido intimada a comparecer à sessão desta quarta.
Para o ministro, Jovair Arantes afirmou que Dilma agiu de "má-fé", mas não mostrou “com clareza” como isso ocorreu. “Quer-se chegar à conclusão a respeito de conceitos. Quer-se constituir crime a qualquer preço, quando ele não ocorreu. Não houve ilícito”, enfatizou. "[O relatório] não explica porque a defesa não é intimada a comparecer. É clara a jurisprudência de que não basta cientificar a defesa. Tem que ser intimada em todos as atos para estar lá. Mesmo não tendo sido intimiada, [a defesa] compareceu, foi impedida de postular: cerceamento de defesa absolutamente clamoroso", completou.
Argumentos de defesa
Assim como fez na última segunda-feira, quando apresentou a defesa da presidente Dilma à comissão especial do impeachment, Cardozo voltou a dizer que os decretos suplementares assinados pela petista não configuram crime de responsabilidade, assim como as pedaladas, porque não houve dolo por parte dela.
Eduardo Cunha
Na sede da AGU, Cardozo afirmou ainda que o relator Jovair Arantes “ignorou” a acusação do governo que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), teria acolhido o pedido de impeachment de Dilma por “vingança”. Pela tese do governo, Cunha só aceitou o pedido porque o PT votou, no ano passado, pela abertura de um processo no Conselho de Ética contra o peemedebista que pode levá-lo à cassação do mandato.
“Não houve desvio de poder? Não houve vingança? Não ficou claro por todas as matérias que o processo foi desencadeado porque Cunha não conseguiu forçar a presidente da República a lhe dar os votos necessários para que o processo não fosse aberto? O relator ignorou completamente uma acusação frontal”, declarou. Para Cardozo, Jovair arantes “queria o impeachment” e “ficou correndo atrás das premissas” ao elaborar o parecer.
Judicialização
Em outro trecho da entrevista, o ministro afirmou que a defesa da presidente poderá “judicializar” o processo caso perceba que direitos estão sendo violados. Cardozo disse ser “preferível” que a comissão especial “corrija os erros” apontados pela AGU no parecer de Jovair Arantes.
“Todo mundo que tem seu direito lesado, tem direito de ir à Justiça. É o que a Constituição diz. E eu confio que este relatório não será aceito pela comissão especial. As nulidades são flagrantes e as evidências são óbvias. Acho que o melhor seria que se corrigisse o processo do que se tivesse de chegar à Justiça. […] Agora, é evidente que, caso se configure ofensa ao direito na forma do que a Constituição afirma, a defesa judicializará, sim, na hora certa, no momento certo, as questões que julgar cabíveis”, declarou.
Assim como outros ministros e a própria presidente Dilma têm dito, Cardozo voltou a dizer que, sem base legal, o impeachment é um “golpe”.
Processo 'jurídico-político'
Cardozo também falou durante a entrevista desta quarta sobre a declaração do vice-líder do governo na Câmara, deputado Silvio Costa (PTdoB-PE), de que o governo tem a “consciência” de que ser derrotado na comissão especial do impeachment, e fará a “luta política” no plenário da Casa.
Para o ministro, um processo de afastamento de um presidente da República é “jurídico-político”, pois a análise é feita por parlamentares, mas o embasamento deve respeitar a Constituição.
“O processo de impeachment é jurídico-político, pois a apreciação jurídica delimita o universo da avaliação política. Não posso turbar um pelo outro. O crime de responsabilidade é o que a denúncia coloca. Se houver crime, o parlamento, que é a casa política, fará uma avaliação sobre a conveniência [de afastar o presidente] em razão da gravidade dos fatos. Mas, mesmo assim, nunca fora do universo processual”, declarou.
Defesa de Temer
Cardozo também comentou o pedido de impeachment do vice-presidente Michel Temer. Nesta terça (5), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello determinou ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que receba o pedido de afastamento do e envie o caso para análise de uma comissão especial a ser formada na Casa.
“Todo agente público federal tem direito de ser defendido pela AGU. O presidente Fernando Henrique Cardozo foi defendido em mais de 100 vezes, o presidente Lula foi e a presidente Dilma é. E o vice-presidente Temer terá todo direito. Em ele querendo ser defendido pela AGU, a AGU fará a defesa caso ele entenda que assim deve ser feito”, completou.