Não é com mágoa ou tristeza que Gum, ausente do time do Fluminense há dois meses por uma grave fratura na perna esquerda, constata e desabafa:
– A minha valorização foi muito maior machucado do que jogando. Quando me machuquei, viram o quanto eu faço falta.
Aos 28 anos, este é o sentimento do zagueiro que acumula 255 partidas pelo clube, tem um Carioca e dois Brasileiros no currículo e desde 2009 virou símbolo do time de guerreiros.
A lesão sofrida em 9 de agosto, contra o Coritiba, no Maracanã, foi a mais grave da carreira e interrompeu uma fase que ele considerava única. Um baque.
– Fiquei chateado porque era um momento especial, meu melhor momento no Fluminense no aspecto físico, de confiança, experiência. Vinha jogando muito bem, minha expectativa era de jogar ainda melhor as próximas partidas.
O diagnóstico foi duro: três meses sem jogar. Tempo que poderia colocar um ponto final na trajetória do defensor nas Laranjeiras. O contrato dele vence em 31 de dezembro. A renovação é provável, mas incerta. Gum se diz tranquilo. Depois de se recuperar bem mais rápido, espera calçar chuteiras novamente em duas semanas. Para ele, é mais uma prova de dedicação ao Fluminense.
– Se estou voltando antes, é pela seriedade, dedicação, vontade de ajudar o clube. Trabalhando com alegria e confiança, a resposta do organismo é muito mais rápida. Sei que o melhor está guardado. Realmente não estou preocupado. Se eu fosse o patrão, jamais perderia.
Depois de contar os centímetros da placa e os 11 parafusos que carrega na perna, Gum faz uma conta muito mais prazerosa. No calendário.
– Estou voltando, voltando. Muito forte (risos).

Confira a íntegra da entrevista:
Jornal – Foi no dia 9 de agosto que você sofreu a lesão. Lembra de tudo? De toda a jogada?
Gum – Lembro do momento da lesão. Na área é normal, você vai tentando imaginar fazer o gol, alguma jogada, um lance. Mas lembro claramente. Era uma bola boa, não lembro quem cruzou, ela vinha na minha direção, o Leandro Almeida era o zagueiro que estava me marcando e ficou um pouco para trás. Indo para a bola, ele viu que não me alcançaria e, numa jogada normal, tenta jogar o corpo sobre mim para me desequilibrar. Se desequilibrou um pouco também e caiu em cima da minha perna com o tronco dele. Pegou bem na passada quando firmei a perna esquerda. Eu não tinha como tirar, na hora já torci o tornozelo, caí com dor, tentei voltar, mas não consegui.
Na hora não tinha ideia de que era fratura?
Não. Quando você torce o tornozelo, dói muito. Como já torci umas três vezes na carreira, sabia que é uma dor intensa, mas depois diminui e dá para continuar no jogo. E nisso a dor veio muito intensa, esperei, ela não diminuiu, mas queria voltar. Se fosse só o tornozelo, esperaria para ver. Coloquei o pé no chão, tentei dar um ou dois passos, mas vi que não conseguiria suportar. Aí resolvi não voltar. Depois, cheguei no vestiário, comecei a analisar, vi que ficaria um tempo fora, mas não achava que era uma lesão tão séria.
Eu conversei com o doutor Douglas Santos, que foi quem te operou, e ele relatou que você ficou muito chateado porque estava bem, o time estava bem, havia uma carência de zagueiros, além da relação com o clube. Como foi encarar o prazo inicial, que era de três meses?
Fiquei chateado porque era um momento especial da minha carreira, meu melhor momento no Fluminense no aspecto físico, de confiança, experiência. Vinha jogando muito bem, minha expectativa era de jogar ainda melhor as próximas partidas. Além de tudo isso, o Fluminense crescia no campeonato, a defesa vinha muito bem junto com o Henrique. Estávamos indo para o quinto jogo sem sofrer gol, e foi no dia da minha lesão que tomamos o gol. A ideia era continuar crescendo. Essa foi minha chateação no momento da lesão. A sequência era muito positiva. Depois da lesão, entendi que teria que me esforçar, ajudar os companheiros passando alegria, confiança. É da profissão, acontece. Se estou voltando antes, com expectativa de jogar esse ano, foi por tudo que vivi, fiquei com a cabeça boa, tive a ajuda da família.
E a questão contratual? Pensou nisso, já que seu contrato termina no fim do ano?
Não estou preocupado mesmo, de coração. Sei o homem que sou, o quanto já me dediquei pelo clube. As pessoas sabem como eu sou. Se estou voltando antes, é pela seriedade, dedicação, vontade de ajudar o clube. Trabalhando com alegria e confiança, a resposta do organismo é muito mais rápida. Sei que o melhor está guardado. Realmente não estou preocupado. Se eu fosse o patrão, jamais perderia. Se for aqui, vai ser. Se não for, será em outro lugar. Minha vontade é ficar, quero dizer aos tricolores. Gosto, amo o clube. Estou muito em paz, feliz. E a alegria daqui a pouco estará em campo. Vou voltar e voltar bem.
Houve conversa com a diretoria?
Houve. Querem renovar. Falaram que estão resolvendo a questão política do clube. Vão sentar para conversar comigo e com os companheiros. Pediram um pouco de paciência, que é o que estamos tendo. Não tenho nada para ficar triste, pelo contrário. Nem tenho o direito de reclamar. É isso. É alegria, trabalhar bem e deixar meu foco em continuar me dedicando para voltar o mais rápido possível. A lesão é ruim, difícil, mas é bom passar com paz, alegria e confiança.
Foi a lesão mais grave que você sofreu?
Foi. Alguns falam que não era muito grave. Mas tenho uma placa de uns 20 centímetros na perna, 11 parafusos, e o osso quebrou em três lugares. Dois em cima, um embaixo. Os ligamentos do tornozelo abriram. Por isso que falaram que voltaria só no ano que vem. Foi muito séria a lesão. Isso traz muitas interrogações. Será isso? Será aquilo? Aqui não teve interrogação. Eu vou voltar, no tempo certo, vai ser antes, sim. Sempre confiante. Está acontecendo assim.
Cruzei com você no jogo contra o Grêmio, no Maracanã, vi você entrando no vestiário. Sempre foi um dos líderes desse time. Tem ido aos jogos aqui no Rio? Tem conseguido participar desse momento da equipe de alguma forma?
Todos os jogos ainda não. Aquele jogo contra o Grêmio era importante porque era de briga no G-4. Tinha acabado de tirar as muletas. Entendi que, pelo grupo, pela amizade, e o pessoal não tinha me visto sem muletas, não estava sabendo, se eu fosse naquele momento no vestiário alegraria o ambiente, eles ficariam felizes. Se fosse com outro, eu ficaria feliz. Fui ao jogo, andava com dificuldade, mas fiz questão de ir para passar alegria. A minha disposição de ir lá foi retribuída. Foi um ambiente legal, fiquei feliz com o que aconteceu. Dentro do possível, tento ir para passar uma energia, um gás, para ajudar o time a continuar brigando ali em cima.
E nesse aspecto como você pode ajudar o Marlon, que é um garoto promissor, que surgiu bem, e o Fabrício, muito contestado após aquele jogo da eliminação na Copa do Brasil?
Tive o prazer de conversar com eles esses dias. Conversar, dar apoio, digo para entrar sério, ligado, posicionar, ajudar os companheiros, falando. Se errar, naturalmente a cobrança é na zaga. Evita, tenta encurtar os erros, tentar ver a jogada, ficar atento, para que isso diminua os erros. A defesa bem passa confiança ao time, e a possibilidade de ganhar é muito maior. Sempre vai ter cobrança. Nós, na zaga, somos os guerreiros. Tacaram uma pedra na casa. Quem foi? Foi a zaga (risos). É mais ou menos isso. Cabeça boa, não se sentir mal com crítica e nem se perder com elogios. Tem que ser assim.

Esses dias você estava correndo no gramado das Laranjeiras, passou por torcedores que assistiam ao treino e alguns te aplaudiram, gritaram seu nome. É aquele momento em que o cara ganha mais valor justamente por estar fora?
Muitas vezes acontece. O ser humano nem sempre dá valor ao que tem, não falo só no futebol. Em outras áreas da vida também. Eu valorizo muito tudo o que Deus me deu. Muito. Mas quero mais, vou trabalhar para isso, vou me esforçar. Eu posso continuar vencendo. Quando você acha que está bom, acaba caindo, perdendo a esperança. A minha valorização foi muito maior machucado do que jogando. Quando me machuquei, viram o quanto faço falta. Mas também não tenho dúvidas de que quando voltar vou estar melhor. Vou me preparar muito para isso. Quando entrar em campo novamente, todo o momento difícil, que transformei em energia positiva, quero mostrar para as pessoas. O cara venceu. Vai acontecer.
Você já viveu alguns roteiros no Fluminense. De luta contra rebaixamento, escapar de forma dramática, de títulos. Qual o roteiro que você imagina para esse fim de ano junto com o Fluminense. É voltar e conquistar uma vaga na Libertadores de forma aguerrida?
A competição está muito acirrada, muitas equipes brigando com condições de buscar o G-4. Eu espero que o time cresça mais, podemos melhorar para entrar no G-4 ou continuar brigando no fim. Minha expectativa é voltar com o time dentro da zona da Libertadores ou brigando para entrar. Seria uma conquista para nós. O planejamento do ano que vem seria para uma Libertadores, algo muito importante.
E qual o roteiro que você ainda quer escrever no Fluminense? Quando você sofreu a lesão, muito se falou que poderia ser o fim da sua trajetória no clube, já que o contrato acaba em dezembro.
Minha cabeça continua no Fluminense. Meu contrato vai até o fim do ano, mas o pensamento é voltar bem, ajudar, classificar para a Libertadores. A certeza que tenho é que se eu ficar quero começar o ano sendo campeão carioca. Coloquei isso na cabeça. O Carioca nós temos que ganhar, quero voltar a ganhar título pelo Fluminense. E o Carioca seria muito bom. Ganhamos em 2012, saímos da Libertadores e conquistamos o Brasileiro. Foi um ano grandioso. Vivi isso no Fluminense. Não podemos achar que o Carioca é menos importante. Temos que começar bem, para somar no fim com Libertadores ou Brasileiro. Seria de muita alegria para os torcedores, engrandeceria a história do clube e a minha passagem por aqui também.
O Guerreiro voltou?
Sim. Estou voltando, voltando. Muito forte (risos).
Jornal Folha do Rio.