Caminhos opostos: ex-rival de Isaquias sobrevive como canoeiro em Ubaitaba.

23/08/2016 13:35

Isaquias em uma raia. Thyalles em outra. O Rio das Contas já foi palco de muitos "pegas" entre o menino de Ubaitaba e o garoto de Aurelino Leal. Cidades separadas pelas águas, as irmãs de braço de rio também viam as canoas duelarem. No ganha e perde da vida e do esporte, as crias tomaram caminhos distintos. Isaquias sempre se destacou. Mostrava força e vencia grande parte das competições. Thyalles não fazia feio, mas a necessidade de sobreviver o tirou do esporte. Sete anos depois de disputarem remada a remada, o filho da Dona Dilma tornou-se o maior medalhista do Brasil em uma edição dos Jogos Olímpicos. Um herói nacional. Seu antigo rival segue anônimo. Está todo o dia no Rio das Contas, mas como canoeiro, transportando pessoas entre os dois municípios.
 

Thyalles Costa (Foto: Thierry Gozzer)Thyalles Costa remava por esporte e agora rema por necessidade no Rio das Contas (Foto: Thierry Gozzer)



- Isaquias foi na raça, porque brasileiro é raçudo, não é? Ainda mais baiano. Ele conseguiu os sonhos dele. Lembro das nossas disputas. Eu queria ser melhor que ele, mas ele era o melhor. Apesar de ser mais velho na canoagem, ele sempre foi bom mesmo, desde criança. Era diferenciado, tinha um futuro pela frente. Não é que ele deixava todo mundo assim para trás demais, mas ganhava. Era forte, tinha raça. É bom lembrar que remei com um cara que é o ídolo do esporte. A gente disputava bastante. As vezes eu ganhava, as vezes ele ganhava. E quando perdia dizia que deixava. Mas não vou mentir, ele sempre foi o melhor - diz Thyalles.

PODERIA SER EU COM ELE NO RIO?

Thyalles Costa (Foto: Thierry Gozzer)Garoto de Aurelino Leal rema desde que se entende por gente (Foto: Thierry Gozzer)

Nascido e criado em Aurelino Leal, Thyalles tem 24 anos, dois a mais que Isaquias. Disputavam nos treinos e competiram em dois torneios no C1 500. Seu rival tinha mais tempo de canoagem. Ele começou em 2009 e foi até 2011. Durante o ano de 2010, rivalizou com o três vezes medalhista olímpico na Rio 2016. Em 2011, o "Sem Rim" foi para São Paulo. E ele deixou a canoagem a pedido da mãe e também para trabalhar. Nos últimos meses, desempregado e com filho para criar, começou o trabalho de canoeiro, serviço tradicional na região.

O jovem de Aurelino Leal faz o seu horário e numa espécie de cooperativa de canoeiros espera a sua vez de transportar as pessoas. A passagem para cruzar os quase 150m entre as margens do Rio das Contas custa R$ 2. Em um mês bom, tira um salário mínimo, o que ajuda a mãe, com quem divide a casa, e também na criação do filho, que mora com a mãe Emilly Hanna. Entre a canoagem por esporte e por necessidade, Thyalles fica com a sensação de que poderia ser ele remando ao lado de Isaquias no Rio de Janeiro.

- Se não tivesse saído, quem sabe não fosse eu remando com ele lá nas Olimpíadas? Uma coisa é remar por esporte, outra coisa é por necessidade. Se Deus abençoar de aparecer um trabalho melhor, vai vir. Os dois são bons, mas a canoagem por esporte a pessoa fica reconhecida como o Isaquias, tem o Bolsa Atleta que pode ganhar também. E a canoagem de travessia entre Ubaitaba e Aurelino Leal é bom também porque o dinheiro entra no bolso, não é? (risos).

VOLTA PARA A CANOAGEM

Thyalles Costa (Foto: Thierry Gozzer)Escada improvisada leva até a canoa que transporta passageiro em Ubaitaba (Foto: Thierry Gozzer)

"Aqui é necessidade, só dá o pão de cada dia, é para sobreviver mesmo. Ninguém vai enricar". Thyalles sabe que a vida de canoeiro é ingrata. Não há futuro na profissão. Nas últimas duas semanas, acompanhando os feitos de Isaquias pela televisão, o jovem tomou uma decisão. Vai voltar para a canoagem. Na próxima semana retorna aos treinos. Pode parecer impossível que uma pessoa aos 24 anos tenha possibilidade de remar em alto rendimento, mas vale citar que Jefferson Lacerda, pioneiro do Brasil na canoagem em Olimpíada, começou no esporte aos 27 e aos 31 estava em Barcelona 1992.

- Assistir ao Isaquias me deu ânimo de voltar a treinar. Antes eu até pensava, mas não tinha o ânimo. Vou voltar a remar. Vou voltar para as águas. Eu cresci ai. Já tomei muito banho no Rio das Contas quando era muito mais limpo. Subia, descia, ficava batendo pega. Aí entrei no projeto, remava, participei de campeonatos. A gente tem o sonho de ser atleta profissional da canoagem, mas a oportunidade é pouca. Para crescer aqui é difícil. Naquela época não tinha nada. Até os barcos não eram bons. Eram refeitos, reformados. Os barcos cortavam as nossas mãos, pés - lembra Thyalles.