Apaziguador e atento ao mercado: Jorge Macedo, um conhecedor do Flu.

25/03/2016 12:59

Jorge Macedo completa 24 dias de Fluminense nesta sexta-feira, mas está longe de ser um novato nas Laranjeiras. De volta ao clube em que trabalhou por quase dois anos em Xerém, entre 2010 e 2011, o diretor executivo de 40 anos tem pela frente, talvez, o grande desafio da carreira: reformular um trabalho que enfrentou crise técnica e política logo no começo da temporada. As saídas do então vice de futebol e do antigo diretor remunerado, respectivamente, Mario Bittencourt e Fernando Simone, aliada à demissão do treinador Eduardo Baptista, escancararam, no entender do presidente Peter Siemsen, o conflito entre ambição eleitoral com a tranquilidade necessária para preparar um time de futebol. Como fazer? O conhecimento do clube, o tom apaziguador no discurso e na prática, a confiança no trabalho e a busca de reforços no mercado são as ideias que compõe a lista de ações a serem desenvolvidas.   

Gaúcho de Rio Grande, no Sul do Estado, Macedo repetiu o roteiro de quase todo o menino: começou cedo no esporte. Jogava futsal. Atuou até a categoria adulta do time Portuária. Aos 18 anos, tomou a decisão que mudaria a vida. Rumou a Porto Alegre. Era o momento de conciliar o gosto com a qualificação. Estudou Educação Física no IPA. Com a necessidade de trabalhar para pagar os estudos, conseguiu emprego em uma escolinha de futebol, como professor. O trabalho no Rola Bola rendia R$ 1 por hora. Paralelamente, decidiu fazer cursos extras. Um até de árbitro de futsal. Na federação da modalidade, fez amigos. Um deles o indicou a uma vaga na escolinha do Inter. Em 1996. Foi assim que começou a passagem pelo Beira-Rio, onde se formou profissional. Começando pela base.   

Quando cheguei em Xerém, se tivesse adotado o relatório, teria demitido umas 20 pessoas. Não o fiz. E hoje muitos deles estão no profissional".
Jorge Macedo, ao lembrar
primeira passagem no Fluminense

Foi professor, coordenador e diretor da base. Contribuiu na transformação do Colorado. Ajudou a revelar nomes como Lúcio, Rafael Sobis, Alexandre Pato e Walter. A fazer o time campeão da América e do Mundo. Até ser contratado pelo Flu. Retoronou a Porto Alegre por uma promessa a Giovanni Luigi, presidente do time vermelho. E agora está de volta nas Laranjeiras. Com muito trabalho pela frente.   

- A primeira decisão foi ter diálogo. Sou uma pessoa que procura dar oportunidades a todos. Reuni os funcionários para sentir o pensamento deles. Um líder tem de deixar os funcionários livres a trabalhar. Dar confiança. Se escuta muita coisa ao chegar a um lugar, mas tem de dar oportunidades a todos. Quando cheguei em Xerém, se tivesse adotado o relatório, teria demitido umas 20 pessoas. Não o fiz. E hoje muitos deles estão no profissional - disse ao revelar que, após a troca de informações, decidiu adquirir, ao clube, softwares para a área de análise de desempenho e de fisiologia.   

jorge macedo, levir culpi, fluminense (Foto: Nelson Perez/Fluminense FC)Jorge Macedo conversa com Levir Culpi em treino do Fluminense (Foto: Nelson Perez/Fluminense FC)

Este conceito foi adquirido pela constante qualificação. Fez curso de gestão. E, todo o ano, vai à Europa conhecer os processos de times grandes, como Barcelona, Real, Manchester City, Manchester United e Chelsea. O próximo destino é Portugal. A partir disso, criou o Centro de Avaliação de Prospecção de Atletas (Capa) no Inter. Com base em estatísticas e acompanhamento de carreira, minimizava as chances de erros em contratações. O maior reforço, neste conceito, foi Aranguiz, chileno que seria vendido posteriormente ao Bayer Leverkusen por quase R$ 50 milhões. Algo que já existe no Flu, um clube diferente neste retorno dele:   

- É muito mais organizado. No administrativo, no marketing, na comunicação. Sabe onde quer chegar. Se panejando para tal. Sem fazer loucura. É referência na base, com Xerém. Vejo que caminha na direção certa. Precisa de continuidade. A (reformulação após) saída da Unimed demanda tempo   

Nunca se pode tentar enrolar jogador de futebol. Tem de dizer e cumprir. Não pode ficar naquela 'vamos ver, 'falamos depois'. Tem de resolver".
Jorge Macedo, diretor
executivo do Fluminense

O ano eleitoral no Flu não causa preocupação. Macedo diz que pretende cumprir o contrato, até o final de 2017. Mas faz questão de dizer que a disputa política não pode entrar no vestiário. Reconhece que é o maior desafio. Confia na atuação do presidente Peter e na experiência de Levir, um treinador “que dá confiança ao grupo”.   

E a relação com os jogadores? Aí entra um grande aprendizado da época da convivência com Fernando Carvalho, dirigente campeão da América e do Mundo pelo Inter.    

- Ele sempre diz que nunca se pode tentar enrolar jogador de futebol. Tem de dizer e cumprir. Não pode ficar naquela "vamos ver", "falamos depois". Tem de resolver - destacou.   

peter, jorge macedo, fluminense (Foto: Nelson Perez/Fluminense FC)Presidente Peter decidiu contratar Jorge Macedo, que estava no Inter (Foto: Nelson Perez/Fluminense FC)

 

Macedo evita falar publicamente em nomes de reforços. O Flu negocia com o volante Renê Júnior. O diretor diz que a fase é de análise, mas reconhece que haverá caras novas no Brasileirão:   

- Vamos ter de contratar. Vamos avaliar o que temos, dar oportunidades a todos. Temos de estar atento ao mercado, mas pode surgir algo interno, vide Scarpa. Temos departamento de scout, que faz análises. Se tiver chance, vamos fazer.     

Confira a entrevista completa:   

Diferença base x profissional   

É muito grande. Os problemas são os mesmos, mas com dimensão muito maior. O profissional tem um elenco de 30 atletas, que tem de ser acompanhado de perto. Não pode deixar faltar nada, não deixar nenhuma influência externa atrapalhe. Tem de blindar. Fazer uma boa relação entre CT e direção. Tudo o que é feito tem uma proporção grande. Tem de pensar muito bem em qual consequência a atitude que será tomada irá ter. A gente trabalha com artistas. Jogadores são vaidosos. Tem ego. Tem de cuidar para não errar e causar problema.   

Flamengo   

O Inter trocou de gestão de 2014 para 2015. Fiquei no começo sem saber se ficaria. Fiquei. Houve conversa com Flamengo, com Rodrigo, Fred e Eduardo. Não houve acerto financeiro. Tinha ideia de voltar ao Sudeste. Aqui é diferente. Sempre tive a vontade de não ter aquela imagem "O Jorge do Inter". Decidi voltar, fiz a base no Flu. Foi uma surpresa. Tinha voltado a conversar com Peter nos EUA. Ele me ligou um dia, explicou a situação. Contou o projeto. Fluminense é um clube que vem de reformulação desde a saída da Unimed. Anda com as próprias pernas. Vai ter CT, daqui a pouco parte ao estádio. Gostei do projeto e quis fazer parte. Mesmo sabendo que haverá eleição. Confio no meu potencial.   

Mudanças no Flu   

É um clube muito mais organizado. No administrativo, no marketing, na comunicação. O vestiário mudou pouco, tem o museu. É no pensamento. Sabe onde quer chegar. Se panejando para tal. Sem fazer loucura. É referência na base, com Xerém. Vejo que caminha na direção certa. Precisa de continuidade. A saída da Unimed demanda tempo. Vai melhorar com o passar dos anos. Vai estar sempre brigando por títulos.   

jorge macedo, apresentação, levir (Foto: Nelson Perez/Fluminense FC)Jorge Macedo acompanha apresentação de Levir aos jogadores (Foto: Nelson Perez/Fluminense FC)

 

Diagnóstico ao chegar no Flu   

Já havia um planejamento ao ano, de elenco. Houve a saída de treinador. O Mario me ajudou na primeira passagem, trabalhei muito com Fernando. O elenco é muito bom. Precisa de confiança. Agora, temos um comando técnico forte. Um treinador que pudesse dar essa confiança, tem experiência. O jogador sente e passa a jogar melhor. Já vejo isso. O grupo melhorou. Falamos no Sul que começa a acertar atrás e depois pensa na frente. Levir tem conseguido fazer isso, passará a dar confiança e o time vai render mais.   

Primeira medida   

A primeira decisão foi ter diálogo. Sou pessoa que procuro dar oportunidades a todos. Reuni todos os funcionários para sentir o pensamento deles. Um líder tem de deixar os funcionários livres a trabalhar. Dar confiança. Tem de dar oportunidade de evoluir. As pessoas não podem ficar travadas nas suas funções. Passei por todos os departamentos e fiz isso. Se há um bom ambiente na equipe de apoio, vai refletir no grupo de jogadores. Depois disso, falei com os jogadores. Aos poucos, vai se resolvendo eventuais pendências e se estimula as pessoas a produzirem mais. Quis saber o que eles achavam que precisava melhorar. Por exemplo, vamos adquirir softwares na área de análise de desempenho, outro na fisiologia, outros equipamentos para fisioterapia. Se escuta muita coisa ao chegar a um lugar, mas tem de dar oportunidades a todos. Quando cheguei em Xerém, se tivesse adotado o relatório, teria demitido umas 20 pessoas. Não o fiz. E hoje muitos deles estão no profissional.   

Primeira mudança   

Não fiz nada drástico. O comando mudou. As mudanças se fazem ao longo do tempo. Tem de conhecer o ambiente. É uma cultura nova. Não é porque deu certo no Sul, que vai dar certo aqui. 

Ano eleitoral  

As coisas políticas não podem entrar ao vestiário. É o maior desafio. Não depende só de mim. Minha ideia é blindar o vestiário disso. Presidente vai assumir isso. Se o time estiver bem, será melhor a todos os candidatos. Todos são Fluminense. Não senti que havia essa influência. Presidente fez uma mudança. Se tinha problema, não tinha mais. Não tenho preocupação (eventual saída). Vim sabendo da situação. Tenho contrato até o final de 2017. Se quem entrar achar que tenho de sair, sem problema. Não tenho mais isso, sou bem resolvido. Tem trabalho a todos. Quem faz trabalho honesto e com respeito, se enquadra. Minha ideia é ficar. Vou cumprir o contrato e, se possível, ficar mais.   

Vice de futebol   

É importante ter, dá respaldo político. Alinha as questões políticas e institucionais.   

Fernando Carvalho  

É uma pessoa que modificou o Internacional. A gente fala que tem o Inter antes e depois dele. Tenho contato até hoje. É uma pessoa que adora futebol, assiste futebol. Tem ideias claras. Gosto de conversar, ele enxerga bem o jogo, conhece tudo que é jogador. Tenho relação boa, assim como outros dirigentes. Peguei ele desde o começo, ele era diretor da base. O filho dele jogou comigo por 10 anos. Foi uma relação direta. Até quando se afastou um pouco do clube. "Doutor". Isso até no trato pessoal. Tenho respeito e gratidão por ele. Sempre o chamei assim. E nunca perdi. Ele sabe deixar um ambiente muito favorável. Desde a base, tem muito diálogo. Com todos, funcionários e atletas. Para ele tomar uma decisão drástica, conversa com todo mundo. Isso aprendi com ele: saber ouvir as pessoas. Tem de refletir, tomar a decisão e ser firme. Ele sempre diz que nunca se pode tentar enrolar jogador de futebol. Tem de dizer e cumprir. Não pode ficar naquela "vamos ver", "falamos depois". Tem de resolver. Presenciei. É assim nas horas boas e ruins. Outra coisa que ele me estimulou foi ver tudo o que é jogo. Saber quem é quem. Passei a fazer isso na base. Ele me estimulou, assim passamos a ter boa relação. Foi assim que trouxemos Walter, Leandro Damião, Sidnei, Cleiton Xavier, Fred. O caso do Walter foi emblemático. Não tinha biotipo. Tínhamos de pagar por empréstimo. Algo incomum na base. Ele bancou, ele acredita em quem trabalha com ele. O funcionário pode até errar. Depois ele cobra. Mas é competitivo.   

Abel Jorge Macedo Inter (Foto: Tomás Hammes / GLOBOESPORTE.COM)No Inter, Macedo trabalhou com Abel Braga, também com passagem pelo Flu (Tomás Hammes / GLOBOESPORTE.COM)

Reforços   

Levir faz análise. Temos 32 jogadores. Alguns que vieram de empréstimo, alguns da base. Tem de ter tempo. Carioca não pode mais. Vamos ter de contratar. Vamos avaliar o que temos, dar oportunidades a todos. Temos de estar atento ao mercado, mas pode surgir algo interno, vide Scarpa. Temos departamento de scout, que faz análises. Se tiver chance, vamos fazer.    

Estádio do America   

Temos de ter uma casa no Rio. Equipe foi ontem lá. Viu com bons olhos. Estamos analisando as coisas. Vamos fazer uns 10 ou 12 jogos no Rio. Tenho a experiência com o Inter na época da reforma do Beira-Rio. Foi Caxias, depois NH, depois voltou Caxias. Aqui no Rio estão mais acostumados. Por questão de bilheteria, teremos de vender alguns jogos. É importante ter uma casa. Aqui, a gente não concentra. Levir concorda. Nas viagens, voltamos no mesmo dia. Para o jogador ficar mais com a família. Num ano com muitas viagens, isso é fundamental.   

Título   

Conversamos muito com os atletas. É novo, mas é o primeiro título da Liga. É sempre bom chegar e ser campeão. O ganhar é consequência. O time grande tem de estar disputando sempre. Tem de dar o gosto de ganhar ao jogador. Ser competitivo. O torcedor, ao ver isso, vai apoiar. Chegou em duas, três, uma vai ganhar.    

Levir   

É uma pessoa muito tranquila, tem a sua maneira de trabalhar. Sempre treina com bola, ficou muito tempo fora. É vencedor. Não se contenta com pouco. Ele procura sempre melhorar. Mostra vídeos dos nossos jogos, dos adversários. Cobra o que é combinado. Acreditar nas ideias.